Neomodernidade

Alegações de se ter descoberto ou inventado o neomoderno, a neomodernidade ou o neomodernismo têm sido anunciadas em campos tão variados quanto as belas artes, a filosofia política e moral, a teologia, a economia, a memética, o xadrez e, aparentemente, o design de banheiros. Na sociologia, a “segunda modernidade” de Ulrich Beck é um equivalente próximo.

Assim como com o modernismo e o pós-modernismo, é a arquitetura que é central para a definição pública duradoura da neomodernidade. Os filósofos sempre apenas interpretaram o mundo, mas os arquitetos conseguem construi-lo. Embora ainda incoerente, uma paisagem arquitetônica neomoderna está bastante inequivocamente em construção. Isto é especialmente evidente em Shanghai.

Quando guiado pela construção arquitetônica real, o fio que leva até a neomodernidade de Shanghai começa em Turim, com a ‘restauração’ da Fábrica da Fiat em Lingotto feita por Renzo Piano em 1989. Esta obra foi exemplar em uma série de aspectos. Ela equilibrava criação com renovação, atualizando radicalmente e reaproveitando uma estrutura existente e de larga escala, ao passo em que venerava a original. A fábrica já era um icônico edifício modernista, imortalizado no Vers une Architecture (1923) de Le Corbusier. O design multi-uso de Piano misturava revolução funcional com conservação estrutural. Características hiper-contemporâneas (incluindo uma bolha no telhado e um novo sistema de janelas) empregavam materiais leves e transparentes, a fim de minimizar o impacto estrutural (ao passo em que maximizava o impacto funcional). Desta maneira, uma planta industrial foi transformada em um hotel e um espaço de lazer, exibição e conferência, através da recapitulação da herança industrial. O padrão neomoderno havia sido estabelecido.

Seria possível se argumentar, de maneira razoável, que o moderno é sempre já e inerentemente neomoderno, que atualizações implacáveis e auto-superadoras estão embutidas nele desde o princípio. Ainda assim, o prefixo complicador é importante e informativo, como Piano demonstra. Em vez de expressar uma melhoria regular e contínua, a construção neomoderna manifesta e celebra a descontinuidade. A modernidade é dividida e se torna, em parte, passado. A noção semi-paradoxal de ‘herança modernista’ se torna uma inspiração animadora, ou re-animadora.

A modernidade fica datada de maneira estranha e intrigante, porque se posiciona na vanguarda do tempo, expressando uma infusão do futuro. Em seu sentido vital e coloquial, o ‘moderno’ é um termo indexical que descreve o que está acontecendo agora ou recentemente. É neste sentido que a modernização permanece irrepreensivelmente atualizada, ancorada, indexicalmente, ao contemporâneo. Deslizar-se, desancorado, do ‘agora’ para as águas mortas da história é, assim, abandonar a reivindicação de modernidade. O que é distintivamente passado não pode ser moderno, e o moderno não pode ser simplesmente passado.

Embora ‘vulgar’ pelos padrões do uso intelectual e técnico, é esse sentido popular do ‘moderno’ que gera sua força intensa e agitacional. Mesmo entre a intelligentsia, o pós-modernismo extraiu seus poderes de incitação da reivindicação implícita e incompreensível de habitar um momento além de agora. Embora não seja um exagero tornar a dilatação ou a contração do ‘agora’ compatível com a intuição, propor um estado contemporâneo no lado distante do agora convida uma perplexidade estimulante. (O ‘agora’ chinês é revelador neste aspecto, com xianzai indicando literalmente o ‘lugar em’ que ‘primeiro’ estamos, onde sempre começamos, iniciando aritmeticamente.)

Nas belas artes, a distinção consensual entre o ‘moderno’ e o ‘contemporâneo’ resolve essa tensão, mas apenas ao drenar da palavra ‘moderno’ o seu sentido coloquial e provocador, deixando apenas uma casca de referência histórica. Importar-se com essas palavras e movimentos, contudo, é insistir que a modernidade, mesmo a modernidade primordial, resiste a uma absorção na história realizada, porque ela se relaciona com um futuro absoluto. O agora dinamizado da modernidade é irredutível a um período ou a um momento no tempo. O que a modernidade descobriu e perpetuamente se relembra não é apenas a próxima coisa na estrada, mas a estrada adiante em geral, e talvez mesmo a estrada.

Shanghai alcançou a velocidade escape até a neomodernidade de maneira comparativamente recente. O desenvolvimento de Xintiandi na virada do século, por exemplo, foi um marco na restauração urbana, mas foi apenas embrionicamente, e talvez também retrospectivamente, neomoderno. Um exemplo bem mais claro das tendências arquitetônicas representadas por Piano é encontrada no desenvolvimento da Red Town, que data de 2004.

O projeto neomoderno arquetípico é um ‘aglomerado criativo’, e a Red Town não é nenhuma exceção. Ela consiste de um local industrial radicalmente renovado, reanimado como um eixo de artes e lazer. Em sua borda geográfica, e centro conceitual, está a gigantesca casca da antiga Usina de Aço N. 10 da Shanghai Steel Company, agora lar do Shanghai Sculpture Space (SSS). Em estilo neomoderno definitivo, as relíquias monumentais da indústria pesada foram abraçadas e revitalizadas: não meramente restauradas, mas esteticamente transfiguradas.

No primeiro ano do SSS, enormes peças de maquinário enferrujado, extraídas das construções reaproveitadas, jaziam espalhadas em meio e ao lado das esculturas externas, como se embaralhassem deliberadamente as fronteiras entre arte e sucata. Alguns desses detritos, de maneira mais notável, uma mistura de calhas massivas que outrora serviam como conduítes para metal derretido, renasceram como obras de arte pós-industriais.

No coração do neomoderno está algo similar a um campo de ruínas e, no entanto, não há nada remotamente ozymandiano sobre esses restos mortais. Eles atestam mais fortemente a uma sobrevivência resiliente (mesmo que interrompida), do que a desaparecimento e esquecimento. Sua mensagem é renascença.

Sobretudo, talvez, o neomoderno é manifestado de maneira indireta, através de espaços de exposição. Ele aponta para longe de si, em direção ao que ele revive, na maneira do design de museus contemporâneos, com seu ideal de mediação invisível. Seu orgulho está adaptado a uma era de informação, na qual a sutilidade triunfa sobre a afirmação, a percepção inventiva suplanta a auto-expressão, e a antecipação flexível supera o propósito obstinado.

“Queremos demolir museus e bibliotecas”, Marinetti declarou em seu manifesto futurista, enfurecendo-se contra a mão morta do passado. No entanto, fazer uma exposição de museu da modernidade não é mortificar, mas sim o oposto. A vitalidade tenaz do moderno é conspicuamente demonstrada pelo fato de que ele não permaneceu o que era. A morte da casca é a vida do filhote.

O estilo neomoderno de Shanghai é, de uma só vez, chocantemente cru e hiper-refinado, orquestrando uma justaposição forte (ou forte/suave) de restos de metal pesado e design intangível. Ele se exulta nas estruturas mais ciclópicas, tensionadas e temporalmente torturadas: vigas queimadas e enferrujadas, correntes massivas, vastas placas de paredes semi-desintegradas de tijolos, concreto esburacado, alvenaria estilhaçada, as cascas cavernosas e erodidas de armazéns e oficinas. Seus componentes preferidos da herança são caracterizados por um funcionalismo industrial implacavelmente prosaico e brutal, expresso em uma escala que esmaga a mente.

Em volta e em meio a esses esqueletos de dinossauros paleo-modernistas, ele tece uma teia requintada de estruturas maximamente desmaterializadas e semi-transparentes, enfatizando leveza, sutilidade, abertura e inovação. Comunicações digitais de banda larga, sistemas inteligentes de controle ambiental, trepadeiras nutridas de forma hidropônica, mobiliário hiper-projetado, uma decoração interior minimizadas com bom gosto e obras de arte sofisticadas completam a metamorfose.

A neomodernidade é, de uma só vez, mais modernidade e modernidade de novo. Ao sintetizar a mudança progressiva (acelerante) com uma recorrência cíclica, ela produz um esquema ou figura distintivo: a espiral do tempo. Mas isso é ficar um pouco além de nós mesmos…

Postscript
Com peculiar sincronia, meia hora após postar isso, uma cópia do ensaio ‘Reflections on Time and Related Ideas in the Yijing’ (“Reflexões sobre o Tempo e Ideias Relacionadas no Yijing”) de Wonsuk Chang chegou em minha caixa de entrada. O artigo termina:

“O tempo no Yijing pode servir a um propósito conservador – a saber, restaurar o passado. Mas ele também serve ao propósito criativo de produzir novidade. Esses dois aspectos do tempo não se contradizem um ao outro. Muitas passagens no Yijing, se não todas, expressam que aquilo que restaura o passado simultaneamente envolve algum elemento de criação nova. O processo começa a partir de seu movimento incipiente e finalmente alcança o ponto onde a novidade criativa emerge. Este processo evolutivo é aquele de uma espiral que avança, que sempre produz novidade, ao passo em que simultaneamente retorna de novo e de novo às fontes nascentes.”

Original.